top of page

Voluntariado: motivações, riscos e ganhos


ree
  • O que pensar acerca de ações que sujeitos se põem a fazer voluntariamente a outros humanos, que são referidas socialmente como fazer o bem, ajudar o próximo etc.?

  • A fidelização do voluntário à ação a que ele se engaja normalmente é muito baixa. Há uma tendência ao abandono da ação, após um período de envolvimento.

  • A psicanálise se mostrou um saber potente para auxiliar na compreensão do que motiva essas pessoas a se engajarem em favor dos outros, estranhos a seu meio, normalmente carregados de sofrimentos e situações de vida bastante tumultuadas. Do mesmo modo, ela pode esclarecer a dita baixa fidelização dos voluntários.

A partir dos anos 90, o trabalho voluntário cresceu e passou a se tornar um forte movimento na sociedade, com a criação de organizações voltadas especificamente para mobilizar pessoas para essas ações, divulgar e gerenciar programas de voluntariado. No final dessa década, foi sancionada uma lei no Brasil que estabelecia limites legais entre o voluntário e a relação de trabalho, oficializando então esse tipo de atividade nos mais diversos contextos sociais. O trabalho voluntário ganha um status legal, que o insere numa certa ordem social.


Várias expressões ocorrem a quem busca conhecer sobre esse campo: o que é voluntariado, quais os benefícios do trabalho voluntário, altruísmo, solidariedade, filantropia, etc., o que nos indica o interesse e a relevância do tema. Afinal, do que se trata o voluntariado?


As Nações Unidas definem a pessoa que presta trabalho voluntário como sendo “jovem ou o adulto que, devido a seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem estar social, ou outros campos..."


Em estudo realizado na Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, definiu-se o voluntário como ator social e agente de transformação, que presta serviços não remunerados em benefício da comunidade; doando seu tempo e conhecimentos, realiza um trabalho gerado pela energia de seu impulso solidário, atendendo tanto às necessidades do próximo ou aos imperativos de uma causa, como às suas próprias motivações pessoais, sejam estas de caráter religioso, cultural, filosófico, político, emocional.


Indo além dessas definições, o que pensar acerca de ações que sujeitos se põem a fazer voluntariamente a outros humanos, que são referidas socialmente como fazer o bem, ajudar o próximo etc.? Quais motivações inconscientes podem estar em jogo, em tais ações? Serão elas sempre úteis e adequadas àqueles que as recebem? E esses outros a quem nos referimos nessas situações como carentes, desfavorecidos, excluídos, marginalizados, desamparados, que posição ocupam nessa relação, o que esperam dessa ação – se é que a desejam –, o que pode vir a produzir nesses sujeitos uma possível experiência como essa?



As ações voluntárias têm sido largamente defendidas como importantes para as mais diversas áreas em desenvolvimento, em diferentes partes do mundo. De fato, é crescente o engajamento de pessoas nessas ações. No entanto, os profissionais que atuam no terceiro setor têm evidenciado – circunstância que também tenho notado, no âmbito do meu trabalho e em minha rede de relacionamentos nesse campo – que a fidelização do voluntário à ação a que ele se engaja normalmente é muito baixa. Há uma tendência ao abandono da ação, após um período de envolvimento.


Considerando que a pessoa, em geral, se envolve nessas ações com um discurso de promover mudanças que favoreçam a vida do sujeito de seus cuidados, a baixa fidelização, a sua não continuidade nos trabalhos com os quais se comprometeu – e com a pessoa em quem gerou expectativas – deve nos dar uma pista de que algo dessa relação mobiliza especialmente o voluntário, que o leva a romper com seu propósito[1].


Mesmo nos casos em que não há rompimento, frequentemente verificamos, o que certamente é mais grave, ações “cuidadoras” que levam à alienação do sujeito, à dependência e à incapacitação, aspecto no qual me deterei particularmente, em vários pontos do livro e mais especificamente no capítulo quatro.


Por outro lado, há belas histórias de ações voluntárias que oferecem, a todos os implicados, experiências de descobertas, experiências organizadoras e estruturantes, que produziram sentidos diante das desproporções da vida.


Poderia a psicanálise auxiliar na compreensão do que motiva essas pessoas a se engajarem em favor dos outros, estranhos a seu meio, normalmente carregados de sofrimentos e situações de vida bastante tumultuadas? Poderia ela esclarecer a dita baixa fidelização dos voluntários? A psicanálise pode ser oferecida como um saber de referência para orientar programas como esses? E mais, os recursos de que um psicanalista dispõe para sua prática clínica podem contribuir, num contexto institucional, assessorando a ação desses voluntários?

 
 
 

Comentários


bottom of page